“A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José?”(¹)
Durante o São João a cidade ficou cheia de visitantes, os hotéis lotaram, ouviu-se bandas, música e fogos. Três dias de folia. Mas as festas juninas passaram. E agora, José?
Muitos já pensam no São João do próximo ano. No entanto, seria bom se todos pensássemos na possibilidade de a cidade ser visitada todos os meses e não apenas ocasionalmente.
Que sejam bem-vindos os visitantes em busca de festa, fogos e fogueiras. Mas se deve planejar trazer também visitantes identificados com o turismo técnico e cultural.
Como Salvador não pode viver apenas de carnaval, Campos do Jordão do Festival de Inverno, Olinda do frevo, Feira de Santana da micareta, nós precisamos virar a página no dia seguinte ao São João e pensar em um turismo duradouro.
A grandiosidade do nosso São João impressiona, assim como o profissionalismo na organização de um evento de tamanha magnitude.
Um saldo positivo da nossa festa junina também a ser levado em consideração é a demonstração de que podemos usar nossa criatividade, força e inteligência para ir mais longe: Mostrar ao Brasil o nosso potencial, nossa cultura e trazer turistas durante todo o ano.
Caruaru faz também um grande São João e a festa junina é um atrativo para a cidade. Mas Caruaru, paralelamente, investe na cultura popular e fez a sua Feira Livre ser reconhecida como “Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro”.
Deveríamos seguir o exemplo de Caruaru. A nossa Feira Livre, embora menor, é rica, tranquila e de fácil acesso. Por que não pleitear um título, pelo menos de Patrimônio Cultural Imaterial da Bahia? O tombamento de bens materiais e imateriais é uma das maneiras de preservar as riquezas, memórias e histórias. O pedido pode ser feito ao Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) por qualquer autoridade local.
Que tal se pôr em pauta o assunto? Considerando a nossa riqueza cultural, as possibilidades são reais. ………..
¹Trecho do poema de Drummond de Andrade, “E agora, José?”
A feira livre de Cruz das Almas é a sua maior expressão econômica e sociocultural. Ali é um espaço de integração da sociedade, as zonas rurais se encontram, as leis de mercado, oferta e procura, imperam com precisão, sem a presença de teóricos.
Caruaru, em Pernambuco, tem fama e visibilidade por conta da sua magnífica feira livre. Muito menor, mas não menos interessante, é a feira de Cruz das Almas, que, também, poderia ganhar um “portal como patrimônio cultural” e cuidados especiais para deslumbrar turistas com suas flores, frutos, farinhas e mil cores.
9.Azulejos de Udo Knoff
O ceramista Udo Knoff, nascido na Alemanha e radicado em Salvador, é conhecido em todo mundo. O Museu de Azulejos Udo Knoff, localizado no Pelourinho, em Salvador, recebe, anualmente, milhares de turistas.
A maior obra de Udo Knoff no interior da Bahia é o painel da Estação Rodoviária de Feira de Santana. Mas Cruz das Almas também foi premiada com um painel, não tão grande, mas feito com esmero pelo ceramista, pois aqui ele retratou suas raízes europeias e a profissão que não exerceu: Agronomia.
O painel em azulejos de Udo Knoff em Cruz das Almas fica no açougue “Belas Carnes”, na feira municipal.
Salvador tem um Museu, nós temos um grande painel. Imperdível!
10.Esculturas de Waltércio Fonseca
Os entalhes feitos em madeira pelo Dr. Fonseca são admiráveis obras de arte e aulas de história contemporânea. Enquanto vivo, esculpiu caricaturas de inúmeras personalidades, entre elas políticos, religiosos, intelectuais e artistas famosos.
As esculturas transportam o observador para momentos da história mundial no século XX. Lado estão esculturas de Jorge Amado, Madre Tereza de Calcutá, Irmã Dulce, John Lennon, Presidente João Batista Figueiredo, Antônio Carlos Magalhães… O estilo caricato das esculturas mostra o alto senso de observação, que vai muito além da pintura de um retrato. Visita imperdível, no salão da Pousada de Themis.
11.Paranhos artesanatos
O artesanato do Nordeste do Brasil é uma manifestação artística e cultural extremamente bela e rica. No artesanato estão refletidas as tradições e influências de indígenas, nativos, africanos e colonizadores.
Peças de barro, madeira, palha e bordados são um deslumbre aos olhos e um atrativo turístico para Cruz das Almas. A Paranhos Artesanatos reúne peças e novidades produzidas em todos os Estados do Nordeste. Não seria exagero dizer que Paranhos tem mais objetos do que qualquer Museu desta natureza no Nordeste.
12.Casa da Cultura Galeno D’Avelirio
A Casa da Cultura Galeno D’avelírio é um espaço já tradicional, em funcionamento desde 1987. Nos 37 anos de atividades promoveu diversos artistas e produtores culturais. É um palco de liberdade de pensamento que, curiosamente, antes funcionava como presídio.
Outra curiosidade é que a unidade carcerária foi construída em 1922, ano que foi marco histórico para o cenário artístico do Brasil. O destino reservou essas coincidências (prisão-liberdade-arte) e fez do ex-cárcere uma fonte de cultura digna de visitação.
13.Estação Ferroviária
A semelhança dos traços da Estação Ferroviária de Cruz das Almas com o estilo de obras do arquiteto Oscar Niemeyer, notadamente a Igreja da Pampulha, suscitaram discussões sobre a origem do projeto da velha estação ferroviária.
Uma edificação semelhante havia em Feira de Santana e foi demolida. Seja um projeto de Oscar Niemeyer, ou uma obra apenas inspirada em trabalhos do famoso arquiteto, trata-se de bela e enigmática construção.
O estilo modernista, as curvas e a leveza do conjunto têm um visual que surpreende e agrada moradores e visitantes. Estuda-se a utilização do espaço para um futuro Museu.
14.Casa de farinha tradicional
O beneficiamento da mandioca para a produção de farinha e seus derivados ocorre em locais de importância cultural, as tradicionais “casas de farinha”.
Por ser um trabalho coletivo permite a sociabilidade, integração das comunidades rurais e transferência de conhecimentos. Nesses espaços também se fabricam outros produtos como o beiju, a tapioca e a fécula.
Atividade milenar, em 1551 o padre jesuíta Manuel da Nóbrega já escrevia sobre a farinha e beijus fabricados pelos indígenas, ressaltando a importância da cultura.
15.Antiga fábrica de charutos
O cultivo de fumo para charutos é uma tradição do Recôncavo Baiano há quase cinco séculos, por conta disso uma atividade rica em histórias.
A alta qualidade do fumo Brasil-Bahia fez com que o produto conquistasse as exigências do sofisticado mercado europeu. E, por sediar muitas fábricas, a exemplo da multinacional Suerdieck, Cruz das Almas foi considerada a capital do fumo.
Apesar da retração do mercado, fábricas menores resistem e visitá-las é voltar o olhar para um passado culturalmente rico e que merece ser lembrado.
O Centro Nacional de Pesquisa de Mandioca e Fruticultura foi oficialmente instalado em 1977, sucedendo o IPEAL, sigla do Instituto de Pesquisas Agropecuárias do Leste, existente na cidade desde os anos 1950. Laboratórios e ricas edificações ladeadas por amplo gramado, ornado por árvores nativas e exóticas, despertam a admiração de visitantes e pesquisadores de todo o mundo. Anos passados, a área verde da Embrapa recebeu visita e elogios do famoso paisagista Roberto Burle Marx.
2.UFRB
A Universidade Federal do Recôncavo Baiano foi criada em 2005, utilizando a infraestrutura da antiga Escola de Agronomia, a mais antiga da América Latina que, inicialmente, funcionava em São Bento das Lajes. Prédios quase seculares, de imponente arquitetura, se misturam a edificações modernas e retratam a sólida convicção de fazer de Cruz das Almas uma referência nacional no ensino superior. Hoje, com vários cursos de graduação e pós-graduação, a UFRB em Cruz das Almas atende mais de 3 mil universitários em diversas áreas do conhecimento.
3.Mata de Cazuzinha
Cruz das Almas pode ser o único município do interior da Bahia a manter preservada no centro da cidade uma reserva de Mata Atlântica. A mata tem esse nome em homenagem ao antigo proprietário da área, o Sr. José Batista da Fonseca (Cazuzinha). Esforços têm sido feitos por vários governantes para manter esse patrimônio desde a administração do Dr. Lauro Passos, que tombou a área. Posteriormente, o prefeito Orlando Pereira a transformou em Parque Florestal e, mais recentemente, o prefeito Ednaldo Ribeiro construiu uma “casa verde”, com auditório e outras facilidades que darão suporte a eventos, estudantes e turistas. Uma nova trilha foi aberta para dar o acesso ao interior da mata com visitas guiadas.
4.Catedral
A Diocese de Cruz das Almas está instalada na antiga Igreja Matriz, edificação de linhas barrocas, datada do ano de 1877. A Diocese foi criada pela Santa Sé no dia 22 de novembro de 2017 e a sua instalação concretizada em 28 de janeiro de 2018, numa Celebração Eucarística presidida pelo Núncio Apostólico no Brasil, Dom Giovanni D’Anielo. Na ocasião, também ocorreu a posse do primeiro Bispo Diocesano, Dom Antônio Tourinho Neto. A Diocese abrange uma população estimada em 324 mil habitantes, cobre uma área de 2.409 km2 e tem como padroeira Nossa Senhora do Bom Sucesso.
Memorial a Monsenhor Neiva
Construído ao lado da Catedral Diocesana, na Praça Senador Themístocles, o Memorial Monsenhor Neiva, apresenta exposição de fotos, objetos e documentos do religioso que mais tempo serviu a Cruz das Almas, o padre José de Souza Neiva. Tendo vivido 103 anos, dedicou-se como raros religiosos aos objetivos do catolicismo. Pastor dinâmico e presente, fosse nas altas esferas da igreja, ou numa simples casa de bairro, foi chamado de “Jequitibá do Recôncavo”, por conta da sua força, fé e determinação.
6.Edifício histórico da ex-EBDA
O prédio que abrigou a EBDA (Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola) pertenceu ao extinto Instituto Baiano do Fumo. Trata-se de uma esmerada construção em estilo neocolonial, datada de 1935. Como resultado das ações do IBF, Cruz das Almas dinamizou a fumicultura, vindo a ser conhecida como a Capital do Fumo e uma das maiores exportadoras da América Latina. A sede do IBF é um dos mais belos patrimônios históricos e arquitetônicos da cidade.
7.Praça Senador Themístocles
A praça principal de Cruz das Almas é o seu coração. Ali estão a Prefeitura Municipal, a Catedral, hotéis, restaurantes, grandes lojas e clínicas. É considerada por muitos como a praça mais bonita do interior da Bahia. Espaço de integração e de destaque na história, a Praça Senador Themístocles, com seus oitizeiros, palmeiras e bela fonte luminosa, tem sido palco de inúmeros eventos políticos e contribuiu para selar muitos destinos.
Você, cruzalmense, já se perguntou qual o prédio mais bonito de Cruz das Almas? Ou já parou para admirar as linhas arquitetônicas de certas construções? É provável que não! Não é por negligência, mas porque o cidadão em sua própria cidade, devido aos compromissos e rotina, costuma passar direto pelas belezas que o cercam. Ao viajar, no entanto, a pausa que faz na vida leva-o a admirar o belo que está distante. Nas cidades do nosso Estado, vemos turistas fotografando portas e janelas em Rio de Contas-BA, estátuas de Jorge Amado em Ilhéus, as casinhas de pedra e os cemitérios de Igatú e Mucugê, o painel de azulejos da rodoviária de Feira de Santana, o prédio da prefeitura de Cachoeira… E em Cruz das Almas, qual nosso prédio mais belo, qual a edificação de linhas arquitetônicas mais ricas, qual atrairia os olhos de um turista atento à arte e arquitetura? É possível que alguns citem o prédio da antiga Escola de Agronomia, a sede da Embrapa, a Prefeitura Municipal, a Catedral ou a estação ferroviária, hoje grafitada de motivos juninos.
Para mim, trata-se do prédio do antigo IBF-Instituto Baiano do Fumo, que durante anos abrigou a EBDA-Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola. Frequentemente, sento-me num banco em frente ao prédio do ex-IBF para admirar as suas características, o telhado, a varanda, as curvas, os azulejos no alto. Ao pesquisar, descobri que é uma construção típica dos anos 1950, de um estilo chamado “californiano”, que se fez presente em muitas edificações de Cruz das Almas, a maioria já descaracterizada. Ao sentar no banquinho da área verde do ex-IBF, imagino um ônibus de turistas ultrapassando o portal de entrada, chegando num gramado florido, recebendo orientações históricas e admirando o belo prédio para, em seguida, adentrar numa raridade, a riqueza maior: A Mata de Cazuzinha!
Mata de Cazuzinha Foto: Fagner Correia de Souza
Na Mata de Cazuzinha, o turista se sentirá no passado, numa floresta por onde passavam os tropeiros que deram à cidade o nome de Cruz das Almas. Turismo é um complexo que desenvolve a economia, gera riqueza, agrega alegria e felicidade. Pensemos nisso! O potencial é grande e o futuro promissor!
Ao chegar à Cruz das Almas na década de 1960, vindo do Sul da Bahia, algumas coisas me intrigaram na nova cidade. Uma delas foi observar um trecho de rua de casas simples, coladas umas nas outras, todas pintadas de cores vivas. Para mim, era algo nunca visto, sentia-me entrar num arco-íris ao passar na singela, porém bonita rua. Mais tarde, descobri chamar-se Rua da Vitória. Até ontem, eu sabia que a iniciativa de pintar as casas partiu do prefeito na época, Dr. Lauro Passos. E também as razões, visto que o trecho sempre foi uma das entradas da cidade e o roteiro que levava ao importante Instituto de Pesquisas Agropecuárias do Leste, hoje Embrapa. Visitantes vindos de todo Brasil, e de outros países, sempre transitaram por ali em direção à renomada instituição. Era justo que tivessem a melhor impressão possível de Cruz das Almas. Com o tempo, as cores desbotaram, a cidade cresceu, a rua foi calçada e as casas se modificaram. Agora tive a oportunidade de conhecer profundamente as razões e qual foi a fonte de inspiração para a pintura multicolorida das casas da antiga Rua da Vitória. Numa visita ao agrônomo Lauro Passos Novis, neto do Dr. Lauro, apresentaram-me um quadro, que é passado de geração a geração, obra do pintor João Alves, datada de 1963. (Foto 1).
Também ouvi o relato que, quando prefeito, Dr. Lauro conheceu o referido quadro, que retrata casas multicoloridas, e teve a ideia de transformar em realidade o que via na tela. Dessa forma, tantos anos depois, ao visitar os Novis, conheci o quadro de João Alves e encontrei a explicação sobre a pintura da rua que me intrigou ao chegar à cidade. O trecho atualmente recebe o nome de Rua Lauro Passos, justa homenagem ao cidadão responsável por grandes investimentos e pela vinda de várias instituições para Cruz das Almas, incluindo a Escola de Agronomia e, consequentemente, o IPEAL-Embrapa. Como não há foto que registre o passado da Rua da Vitória, com suas casas coloridas, sirvo-me de uma ilustração que traduz minhas lembranças. (Foto 2).