Educador, ativista da luta antirracista, intelectual e pesquisador negro, Kabengele Munanga será homenageado com a entrega do título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). A proposição do título foi aprovada, por unanimidade, em reunião ordinária do Conselho Universitário (CONSUNI) da UFRB, realizada na tarde desta terça-feira, dia 06, no prédio da Reitoria.
Kabengele Munanga
Educador, brasileiro-congolês, pesquisador de estudos negros e afro-brasileiros, nas áreas de antropologia, direito, artes, sociologia, filosofia e das relações étnico-raciais no Brasil, Kabengele foi um dos protagonistas intelectuais no debate nacional em defesa das cotas e tem contribuição direta na consolidação das políticas públicas de promoção da equidade racial para o povo negro brasileiro, tendo atuação direta nos movimentos que desembocaram na conquista coletiva da aprovação da Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de história e cultura Afro-Brasileira na educação básica, ressaltando a importância da cultura negra na formação da sociedade brasileira.
O professor é reconhecido pelo trabalho desempenhado em inúmeras instituições, desenvolvido ao longo de seis décadas de labor, dedicação e docência, somando mais de 150 publicações de livros, capítulos e artigos científicos, que se tornaram referência em todo o mundo, como exemplo a obra “Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra”.
Relação com a UFRB
Kabengele Munanga tem uma longa relação com a UFRB. Participou de várias atividades, seminários, como o Fórum 20 de novembro, conferências e aula inaugural. A formalização, contudo, ocorreu entre os anos de 2014 e 2019, período no qual atuou como professor visitante sênior e como colaborador nos programas de mestrado em Ciências Sociais e em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas da UFRB.
Presente de todas as formas na consolidação desses programas de pós-graduação, o professor contribuiu como titular de disciplinas, palestrante, conferencista, orientou e coorientou pesquisas, sugeriu e promoveu contribuições fundamentais nos projetos pedagógicos dos cursos e dialogou com a comunidade acadêmica e o público geral do Recôncavo.
Mais de sua vida e trajetória
Kabengele Munanga nasceu em 19 de novembro de 1942, na República do Congo, antigo Zaire, na cidade de Bakwa Kalonji. Viveu até os 20 anos sob a égide da experiência colonial, assim como as lutas pela libertação e experiência democrática em seu país de origem. Kabengele Munanga estudou em Kinshasa, onde concluiu a escola secundária. Em seguida, mudou-se para a capital acompanhando seu irmão mais velho. Lá cursou sua primeira universidade, uma instituição privada, filial da Universidade de Louvaine, na Bélgica. Depois foi para a sua segunda Universidade, a Universidade Oficial do Congo, onde escolheu cursar antropologia, curso que concluiu em 1969, sendo o primeiro antropólogo formado pela instituição. Nessa universidade teve seu primeiro emprego como professor assistente.
Para dar continuidade à sua formação, migrou para a Bélgica em 1969, com uma bolsa de estudos para o doutoramento. Em razão de problemas políticos que envolviam a resistência de membros de sua família à colonização, Kabengele Munanga foi impedido de seguir na Bélgica. Em um evento, conheceu o Professor Fernando Mourão (USP), que ficou impressionado com a qualidade da intervenção e questionamento que ele fez após a conclusão da explanação do conferencista. Foi então convidado para vir ao Brasil para concluir seu doutorado, sob a orientação do professor João Batista Borges Pereira, onde chegou em outubro de 1977. Naturalizou-se brasileiro alguns anos depois, em 1985, aos 43 anos.
A presença de Kabengele Munanga na Universidade de São Paulo (USP) representou a quebra de um paradigma importante, pois explicitou por meio de pesquisas e publicações a existência de barreiras invisíveis ao propalado modelo de democracia liberal vigente. Seus estudos e engajamento desde a África o fez perceber que aqui também sofremos com os efeitos nefastos do colonialismo, assim como em seu país de origem.
Para Kabengele, não há sentido em fazer ciência sem a consciência dos problemas sociais mais incidentes e sua chegada ao Brasil coincide com um momento importante das organizações do movimento social negro na busca de uma maior inserção no âmbito da produção acadêmica. Portanto, as contribuições de nosso homenageado assentam-se na importância de sua presença na academia, sobretudo na sua capacidade de estabelecer diálogos cujas implicações políticas induzem ao interlocutor repensar o papel das populações negras na reconfiguração da nação brasileira, como corolário de uma democracia real.
É precisamente nesse contexto de retrocessos políticos e sociais, vivenciado no século XXI, que a voz potente e serena do professor Kabengele Munanga se faz ouvir, tornando-se uma interlocução incontornável quando se deseja qualificar o debate contemporâneo, na sociedade e na academia brasileira, sobre racismo, políticas afirmativas, educação das relações étnico-raciais e antirracismo no Brasil.
A trajetória de Kabengele Munanga evidencia uma vida voltada para a formação, o debate democrático e uma intensa contribuição nos campos da pesquisa, do ensino, e da extensão, especialmente no que diz respeito a tudo que nesses fazeres universitários e gestão – todas elas características das atividades de um Professor Doutor – que resultaram em produção artística, técnica e acadêmica reconhecida na Bahia, no Brasil, e em diversos países, que o tornaram uma singular referência na sua área de atuação, influenciando artistas, estudantes, profissionais e amadores, realizando uma contribuição ímpar para a cultura brasileira.
Informações: UFRB
Compartilhe esta notícia