Piadas ousadas, convites e elogios ao corpo. Estas e outras formas de assédio sexual foram denunciadas por uma major e duas soldadas ao Ministério Público Estadual (MPBA) e à Polícia Militar (PMBA) contra o ex-comandante do 24º Batalhão (Brumado), o tenente-coronel Élson Cristóvão Santos Pereira. Os episódios chegaram às duas instituições em novembro do ano passado, que incluiu ainda acusação por assédio moral. Em janeiro deste ano, a Corregedoria da PM instaurou uma sindicância.
Em seis meses, este é o segundo caso de assédio sexual e moral que vem à tona na Secretaria de Segurança Pública (SSP). Em outubro do ano passado, o ex-titular da 28ª Delegacia (Nordeste de Amaralina), delegado Antônio Carlos Magalhães Santos foi denunciado por quatro agentes da unidade. Ele foi exonerado do cargo.
O Correio, parceiro do JornalZero75, teve acesso com exclusividade às informações do depoimento das policiais militares no MPBA, prestados à promotora Daniela de Almeida, no dia 27 de novembro de 2024. De acordo com o documento, no dia 22 do mesmo mês, circulou em grupos de aplicativo de mensagens de policiais militares de relatos de assédio sexual que teriam sido cometidos pelo então comandante do 24º BPM, tenente-coronel Élson Pereira.
As policiais disseram que não sabiam a origem das mensagens, mas confirmaram os fatos, que começaram desde março daquele ano corrente, inclusive na presença de policiais masculinos, fazendo elogios ao corpo das Pfens, referindo-se às pernas, coxas e lábios, “em evidente e constrangedora conotação sexual”, além de fazer convites para encontros pessoais e, ao não logrando êxito, passava “assediar moralmente as policiais, desqualificar seus trabalhos, sempre na presença de outras pessoas, policiais e civis, dentro e fora do quartel” .
As policiais disseram que passaram por sucessivos constrangimentos, “sobretudo por se tratar de um superior hierárquico”, que os assédios e constrangimentos ocorreram no quartel, em eventos externos e até mesmo em eventos de confraternização.
Uma das vítimas foi a coordenadora de Suporte Operacional, uma major. Ela se apresentou ao 24º BPM janeiro de 2024, a convite do próprio tenente-cononel. Inicialmente, ele enaltecia o trabalho dela, mas depois passou a elogiar o corpo da major: “sua malhação está fazendo efeito”, “como você está cheirosa”, “suas pernas estão grossas, hein”, dizendo várias vezes “ó, se a loira quiser, o negão vai aí, hein”. Segundo a policial, esses convites ocorriam nos momentos dos despachos dos procedimentos administrativos e que sempre tratou o acusado de forma amistosa. Na denúncia consta que várias vezes a policial foi referida por ele a outras pessoas como “meu amor proibido”.
A segunda vítima ouvida pelo MPBA foi uma soldada, que relatou o seguinte episódio: ela precisou ir até o módulo administrativo, onde encontrou com o ex-comandante, ocasião em que ele comentou de forma lasciva os lábios dela: “sua boca é linda”. O episódio foi testemunhado pela major e outros PMs. Em outra situação, após prestar continência, o acusado disse que a militar “estava muito de bem de corpo”.
No dia 25 de outubro, teria ocorrido mais um episódio de assédio sexual dentro da tropa. Desta vez, foi com outra soldada, durante um curso de capacitação de policiamento comunitário em um clube, que inclusive tinha disciplina de assédio. Na ocasião, Élson Pereira disse que precisaria de policiais disfarçados. Então, a Pfem e a major se ofereceram para participar da diligência, já que estavam recentemente na unidade e não seriam reconhecidas e que poderiam, inclusive, usar uma peruca como disfarce.
De acordo com a denúncia, o então ex-comandante respondeu: “vocês não, vocês eu quero sem peruca na minha casa”. A vítima relatou que neste dia ainda recebeu uma segunda investida do então chefe, após deixá-lo em casa, pois ela e o marido estavam em dois carros. Ao chegar em frente à residência dele, mesmo sabendo que seu esposo estava atrás, o Élson Pereira a convidou para subir e tomar um vinho a sós, o que foi negado pela vítima.
Segundo a denúncia, após os episódios terem sido disseminados nas redes sociais, a major foi chamada pelo subcomandante do batalhão, Marcelo Souza Lima, para conversarem sobre o assunto. No dia, Lima disse que deveriam buscar uma forma de “tirar do tempo”, dizendo que “a notícia consiste em meio para enfraquecer o comando” e que nunca presenciou nenhum assédio por parte do então comandante. A policial relatou no documento que os diversos assédios morais e de cunho sexual foram praticados na presença do subcomandante.
Após ouvir os relatos, a promotora Daniela de Almeida disse em seu despacho: “diante da gravidade dos fatos noticiados, que os relatados aqui prestados sejam igualmente levados ao conhecimento da Corregedoria da Polícia Militar, para adoção das providências pertinentes, inclusive diante de indícios de crime militar”. A reportagem procurou o MPBA para saber que forma a instituição acompanha o caso na Corregedoria da PM e de investigação própria. Em nota, o órgão informou que “o procedimento investigatório referente ao caso é sigiloso”.
No âmbito da investigação interna, no dia 14 de janeiro foi nomeado o responsável pelo Processo Administrativo Disciplinar (PAD), o coronel Paulo Henrique Rocha Guimarães “para apurar em sindicância, indícios de autoria e prova de materialidade de infração administrativa, no prazo de 30 (trinta) dias, prorrogado por metade deste período, como previsto no § 2º, do art. 60, noticiando conduta atribuída a policial militar, que teria cometido assédio sexual e moral contra policiais femininas, lotadas no 24ºBPM/Brumado”.
Impunidade
Tayanne Correia é a advogada das vítimas. Segundo ela, todas estão traumatizadas e são acompanhadas por especialistas, como psicólogos. “Isso tudo porque a sociedade considera a mulher um sexo frágil. Um patriarcado que se perpetua há anos”, diz ela.
Correia pontua que os assédios sexuais e morais contra mulheres na esfera militar são comuns, infelizmente. “Isso tudo se dá pela sensação de impunidade, de que nada vai acontecer, de não haver a imparcialidade nas investigações. Eles são corporativistas um dos outros”, declara.
A ausência da punição gera também outra situação: “Quando alguém tem a coragem de denunciar, acaba sendo investigada pelas mesmas pessoas que pensam da mesma forma e acabam vitimizando a situação, do tipo: ‘Você estava vestida como?’. Ou seja, a vítima é transformada em algoz, assim, alimentando o processo abusivo”, diz.
A advogada aponta mais um problema. “Ainda acontecem as ameaças veladas. O acusado, na maioria das vezes, tem o poder de prejudicar a vítima. Ela pode ficar estagnada por anos na corporação”.
Posicionamento
Após as acusações virem à tona, o tenente-coronel Élson Pereira foi exonerado do cargo de comandante do 24º BPM no dia 07 de dezembro de 2024. Antes de Brumado, ele passou por várias unidades. Em Salvador, comandou companhias consideradas fundamentais ao combate do crime organizado, como 14ª CIMP (Lobato) e 31ª CIMP (Valéria). No mesmo dia em que deixou o cargo, Élson Pereira foi nomeado coordenador técnico do Departamento Pessoal da PM.
Procurou, o tenente-coronel não atendeu as ligações da reportagem, mas por meio de mensagens de texto, disse que “qualquer coisa relativa a minha pessoa e a minha vida profissional vem recebendo o trato institucional”. “Assim sendo, recomendo manter contato com o DCS/PMBA”, diz ele, fazendo referência ao Departamento de Comunicação da instituição.
Além de pedir o posicionamento à corporação, o CORREIO solicitou, desde o dia 22 deste mês, a quantidade de denúncias de assédio sexual e moral na PM nos últimos quatro anos, quantas delas geraram Processos Administrativos Disciplinares (PADs) e os resultados. Até o momento, não há nenhuma das respostas.
Fonte: Correio
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