Por Ygor da Silva Coelho
Quando cheguei a Cruz das Almas para estudar no CEAT em 1964, sozinho e com apenas quinze anos de idade, apesar da boa acolhida, senti o peso da solidão. Eu havia deixado amigos e parentes em Ilhéus e Itabuna e o choque da mudança para um adolescente era previsível.
Mas Cruz das Almas, embora com pouco mais de 20 mil habitantes, tinha o seu diferencial e me cativou. Eu trazia um “vício” que se eterniza em mim: o cinema.
Aqui encontrei o cine Glória, depois chamado de Ópera, e nele me refugiava. Era um paraíso iluminado, na cidade de poucas luzes. O que faltava em conforto era compensado com a programação. Lembro-me de ter assistido no Glória, assim que cheguei, clássicos como “Os Pássaros”, “O Pagador de Promessas” e “Lawrence da Arábia”. Mais tarde, o memorável Dr. Jivago.
Também no cine Glória e no Cruz das Almas Clube apresentavam-se estrelas do rádio, do teatro e da tv brasileira, como Ângela Maria, Nora Ney, Jorge Goulart, Nelson Gonçalves, Virgínia Lane… Um sucesso à parte foi a vinda da orquestra mexicana Marimba Alma Latina, em excursão pelo Brasil.
Falei do cine Glória, mas outras salas existiram. Num certo período, por iniciativa da Agro Comercial Fumageira, foi inaugurado um cinema ao lado da fábrica Suerdieck, hoje um templo evangélico.
No anfiteatro da EAUFBA, atual UFRB, embora sem programação fixa, eventualmente eram exibidos filmes e peças. Ali assisti “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, clássico de Glauber Rocha.
Nesse meu pensar sobre a Cruz das Almas cultural, um evento é para mim inesquecível. Uma só vez na vida ouvi um concerto da Orquestra Sinfônica da Bahia-OSBA, com cerca de cem músicos. Ocorreu na cerimônia de posse da Sra. Gisela Suerdieck, como presidente da antiga Associação Comercial de Cruz das Almas.
Para se ter uma ideia da dimensão da OSBA, a orquestra já acompanhou concertos de nomes como Pavarotti e Montserrat Caballé. Além de realizar apresentações ao lado do Ballet Bolshoi (Rússia) e Ballet da cidade de Nova York.
Trazer hoje a OSBA e orquestras internacionais pode ser impossível. Mas me arrisco a dar sugestão aos organizadores de eventos na nossa cidade.
Sem desmerecer o popular, tragam de Salvador uma jovem como Eneida Lima, com o seu canto lírico, a Orkestra Rumpilezz, o maestro Fred Dantas… Músicos baianos com apresentações pelo mundo e que, certamente, nunca estiveram na cidade universitária de Cruz das Almas.
Vamos permitir à juventude conhecimentos, sonhos maiores e viagens até os clássicos e à arte dos gênios. São músicos que pouco custam, se comparados aos cantores populares que costumam frequentar o nosso calendário.
Hoje Cruz das Almas tem o triplo da população dos anos 1960, tem universidade, muitos cursos superiores, comércio vibrante e um público jovem e seleto.
Eventos clássicos contribuem para formar mentes curiosas e criativas, estimulam a imaginação e a capacidade de pensar criticamente.
Pensemos nisso. Como já pensamos num passado.
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