Ygor da Silva Coelho
“Se a Rua Beale falasse” é o título de um premiado filme, que me levou a pensar: E “se a minha Rua
Leonel falasse?” Acho que ela falaria de tempos passados e de saudades.
A Leonel não era ainda rua, apenas uma transversal aberta no quintal do saudoso Dr. Ramiro Passos,
quando me interessei por um lote na área. A palmeira imperial, alta e imponente na esquina, inspirou o seu primeiro nome, Rua da Palmeira, esquecido ao ser batizada como Leonel Ribas.
Estudei detalhadamente antes de comprar o lote, onde planejava construir a minha casa:
-É nascente, Dr. Ramiro?
-Nascente!
-Divide o pagamento?
-Quer pagar em quantas vezes?
Sabendo da simpatia dele pelos que começavam na vida…
-O Senhor é quem vai dizer!
Assim, paguei suavemente o lote naquela que viria a ser a melhor rua da cidade. Hoje nem tanto!
“Se a Rua Leonel falasse” lembraria do som clássico do piano de Anália, das histórias de Sr. Bartolomeu,
quando era motorneiro dos bondes elétricos em Salvador, da alegria contagiante de Zilma Martins, da poesia e da bondade de Luciano Passos, da festividade de Célia Lolata, da elegância de Dona Valmira Borges…
Os citados são vizinhos inesquecíveis, que nos deixaram para morar noutro plano. Os que na Leonel
hoje vivem, Graças a Deus firmes e fortes, são muitos e citá-los prolongaria o texto.
E os que habitaram na Leonel em tempos passados lá do alto, certamente, observam as mudanças nos hábitos.
Valmira Borges de Carvalho, por ter sido a matriarca da Leonel, é quem mais deve ficar surpresa com
as mudanças. Alta, magra, atenciosa, elegante, Valmira vinha de família tradicional, linhagem antiga da cidade de Conceição do Almeida-BA, quando era ainda chamada de Afonso Pena.
Era bonito ver a elegância de Valmira, a tradição estampada no brasão e monogramas dos seus pratos
e toalhas. Nunca se ouvia Valmira chamar uma funcionária. Tinha à mesa e próximo a si uma sineta. Era o tilintar que se ouvia na hora do almoço, lanche ou jantar.
A minha consideração por Dona Valmira Borges era intensa e eu não a considerava apenas uma amiga ou
vizinha. Tinha-lhe como uma segunda mãe, um espelho de elegância e de sobriedade. Nunca lhe disse, mas ela notava, meus olhos falavam.
Se nunca lhe disse sobre o sentimento que tinha, repetia para o seu filho, o meu colega José Eduardo
Borges de Carvalho:
- Dona Valmira é uma segunda mãe para mim!
- Sei disso! E ela também sabe!
Aos poucos, a evolução do mundo físico para virtual alterou também hábitos na Leonel. Já não se pede
ao vizinho um punhado de açúcar. Há o delivery. Já não se pede para fazer um telefonema. Há os celulares. Já não se coloca cadeira na porta. Há ladrões.
Os jantares às sextas-feiras, do tipo “cada um leva seu prato”, há muito deixou de ocorrer. As estradas
encurtaram distâncias e os finais de semana são na Ilha de Itaparica, em Salvador, na Chapada Diamantina ou na fazenda.
“Se a Rua Leonel falasse…” Acredito que ela diria ter saudade das pessoas queridas, dos casos engraçados,
das portas abertas, dos muros baixos, da solidariedade, da familiaridade, dos meninos jogando bola na rua… Ah, saudade é muita coisa! Saudade é tanta coisa que, “se a Rua Leonel falasse”, embora seja uma rua pequena, preencheria páginas e páginas.
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